Vinda de um
dos anexos e munida do seu lampião a querosene, Natália, a empregada da qual
mais gostava, já se aproximava. De seguida, iria acompanhá-la até uma zona do
bosque onde tudo se tornava menos escuro. Talvez por maior ausência de árvores.
Nessa altura
voltaria para a fazenda, para dar inicio ao seu dia de trabalho árduo.
Tal como
sempre fazia, lamentaria a impossibilidade de a acompanhar até mais longe ou
mesmo de a acompanhar até à escola, caminho que Doroteia percorria diariamente,
durando cerca de duas horas.
Caminhavam
há alguns minutos, quando uma ave passou muito próximo das duas cabeças.
- O que era?
– Perguntou Doroteia.
- Uma linda
coruja.
- Fazem mal?
- Claro que
não! – Respondeu pacientemente Natália.
- Porque
voam a esta hora?
- Ora, são
guardiões do bosque. Tal como existem guardiões durante o dia, estes são os
guardiões da noite. Protegem a Natureza durante a madrugada. E também protegem
a menina Doroteia.
Doroteia
sorriu e deu por si virando-se inconscientemente para trás, procurando pela
bela ave branca.
Caminhavam
há cerca de 25 minutos em silêncio. Sendo o único som perceptível os seus
passos tranquilos.
Chegaram
entretanto à zona de menor escuridão.
- Lamento
não a poder acompanhar durante mais tempo menina Doroteia. Tenho de voltar para
lavar os lençóis.
– A partir
daqui não sinto medo. – Mentiu Doroteia.
Despediram-se
e à medida que avançava, Doroteia ia virando-se para trás, observando o círculo
de luz do lampião desvanecendo-se.
Nessa
altura, tal como diariamente acontecia, o coração da mocita começou a bater
mais aceleradamente.
Quando a luz
proveniente do lampião desapareceu por completo, Doroteia olhou em volta,
sentindo-se indefesa.
A escuridão
da madrugada parecia-lhe maior... Os braços das árvores podiam agarrar-lhe a
qualquer momento?
O mínimo som
fazia-a fraquejar.
Mas de
repente, eis que surgiu novamente a bela coruja…
Doroteia
arregalou muitos os olhos, encantada pela segunda aparição do misterioso
animal.
Esvoaçando lentamente, a ave foi de seguida pousar no arbusto mais próximo e assim
manteve-se, observando Doroteia muito atentamente.
A menina
sorriu e caminhou mais devagar, aproximando-se da árvore.
Fitaram-se
durante o que pareceu a Doroteia um longo minuto…
Entretanto o
som de folhas secas sendo pisadas despertou a sua atenção, e virou-se para o
lado esquerdo perscrutando atentamente.
Lentamente
foi surgindo a figura de uma mulher magra, de cabelos muito compridos e usando
umas vestes, que àquela hora pareciam-lhe cinzentas.
Doroteia
sentiu o seu coração recomeçar a bater aceleradamente, e expectante, não deixou
de observar a senhora.
Esta, assim
que deu pela sua presença, observou-a durante poucos segundos, para de seguida, encolher-se, escondendo-se atrás da mesma
árvore pela qual tinha surgido.
Doroteia
parecia sentir o coração perto da boca e muito baixinho choramingou.
Procurou a
coruja com o olhar, esperando encontrar algum conforto, mas esta tinha
desaparecido.
O seu pavor
aumentou quando viu a cabeça da mulher voltar a surgir muito lentamente por
trás da árvore.
Espreitava-a…
Mas o que queria dela?
Impulsivamente
a menina deu um passo para trás, escondendo-se atrás da árvore onde antes a
coruja tinha pousado.
Passos
repentinos revelaram que a mulher saíra do seu esconderijo e avançava.
Nesse
momento surgiu pela terceira vez a coruja. Rodeou Doroteia por duas vezes,
tocando-lhe com as suas asas frescas, antes de se dirigir para o lado direito.
Sentindo-se
guiada, Doroteia seguiu-a, e os passos furiosos da estranha mulher aumentaram.
Doroteia
começou a correr vendo a coruja voar mais rapidamente…
Os passos
ameaçadores atrás de si, também pareciam mais rápidos.
A um
determinado momento, a coruja avançou por uma pequena abertura.
Doroteia
seguiu-lhe o exemplo e tropeçou, cambalhotando por uma descida, até cair no
fundo.
Atordoada,
olhou em volta e percebeu que encontrava-se numa zona protegida.
Meio
escondida por arbustos estava uma pequena barraca de madeira e foi na sua
direção que a menina caminhou, ignorando o livro escolar e o saco contendo o
seu lanche, caídos na descida.
Já refugiada
e deitada no interior da barraca, Doroteia observou o exterior.
Para seu
alívio, a estranha mulher não a seguira até lá.
Sentindo o
seu coração acalmando aos poucos Doroteia estava quase fechando os olhos.
Um vulto
branco e brilhante despertou a sua atenção… Doroteia observou a coruja, cuja
aparição se dava pela quarta vez. Pousada no ramo da árvore em frente,
observava-a atentamente.
Doroteia retribuiu
o olhar e sorriu-lhe muito ternamente.
No seu
coração sentiu profunda gratidão, encanto e amizade por aquela presença tão
misteriosa…
Observaram-se
durante poucos minutos, antes de Doroteia fechar os olhos e adormecer.
Horas
depois, o céu ofereceu a seu ritmo tonalidades mais claras, até que amanheceu
completamente. Nessa altura, Doroteia acordou e olhando em volta, lembrou-se de
onde estava e o que acontecera…
Àquela hora,
nenhuma mulher poderia assustá-la. Doroteia não sentiria medo. O Sol brilhava.
As árvores tornavam-se simpáticas…
O seu
segundo impulso foi procurar pela sua amiga protectora… Mas a coruja
desaparecera sem que se apercebesse.
Desiludida,
abandonou a cabana sentindo dores no corpo devido à queda que dera horas atrás.
Encontrou o
seu livro e o saco com facilidade, e de seguida avançou com cuidado pela subida
íngreme.
Por várias
vezes, durante o percurso para a escola, Doroteia virou-se para trás,
esperançosa de reencontrá-la …
Intrigada,
perguntou-se porque nunca a vira antes… Perguntou-se se a voltaria a encontrar…
Recordando a
explicação de Natália sobre as corujas, como animais protectores, Doroteia
sentiu-se esclarecida.
Sorriu
perante a expectativa de reencontrar a sua amiga protectora na madrugada
seguinte, e, determinada atravessou o portão escolar.